Minhas Leituras #29: Coraline – Neil Gaiman

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“E se ‘Alice no País das Maravilhas’ fosse mais sombrio?”

Título: Coraline
Autor: Neil Gaiman
Editora: Rocco
Ano: 2003
Páginas: 160
Tradução: Regina De Barros Carvalho
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“— Eu não quero tudo o que eu quiser. Ninguém quer. Não realmente. Que graça teria ter tudo o que se deseja? Em um piscar de olhos e sem o menor sentido. E daí?” (GAIMAN, Neil. Coraline. Rocco, 2003, p. 116)

Existem autores que nos surpreendem a cada livro. Até agora, só tive boas surpresas com Neil Gaiman. Ele já é um autor conhecido e está em alta, mais do que nunca, pois seu livro de maior sucesso — ‘Deuses americanos’ — foi adaptado em uma série.

Gaiman decidiu escrever uma história infantil, o que resultou em ‘Coraline’. Este é um livro de fantasia sombria, um pouco mais leve, pelo público ao qual é destinado. Entretanto, não é um livro tão infantil assim. Há muita coisa no livro que apenas um adulto poderá compreender. Veja um pouco mais sobre essa mudança de rumo que o autor tomou, resultando em um ótimo livro.

Alice mais “dark”

Foi publicado nesse ano de 2017 o livro ‘Mitologia nórdica’ — que você pode conhecer mais nesse meu post —, onde Gaiman conta as histórias de Thor e Odin à sua maneira. Ele se inspirou na literatura original para criar sua própria prosa. E fez isso muito bem.

Fica muito claro, no decorrer da leitura, de que ‘Coraline’ foi inspirado em ‘Alice no País das Maravilhas’. Só que Gaiman possui uma escrita mais sombria, o que é uma característica sua.

Possuímos várias referências que corroboram com a ideia dessa fonte de inspiração. Temos uma menina que descobre um novo mundo; temos um gato que conversa com ela; temos personagens malvadas que controlam esses mundos. Apesar da inspiração, é uma história única e original, com características próprias, além de se passar em tempos mais modernos. Não há como comparar as duas obras, até porque ‘Alice’ é um clássico cheio de história e interpretações.

“É surpreendente o quanto do que somos depende da cama onde acordamos pela manhã, e é surpreendente o quando isso é frágil”. p. 67

Tome cuidado com o que você deseja

Coraline é uma menina um pouco solitária, não há informações sobre amigos no livro. Sabemos que o ano letivo está perto de iniciar e ela está tentando aproveitar ao máximo o que resta de suas férias, em sua nova casa.

Trata-se de um casarão dividido em apartamentos. Ela possui alguns vizinhos, como duas senhoras que vivem juntas e um velho um pouco maluco (outra referência) que cria ratos. Coraline passa o dia explorando seu quintal, ou visitando seus vizinhos.

Seus pais são um pouco ausentes, no sentido de dar atenção. A garota gostaria que isso fosse diferente, gostaria de mais contato, de momentos onde todos estivessem juntos. Em uma dessas explorações, dentro de sua casa dessa vez, Coraline descobre uma porta que a leva a outro mundo, uma versão diferente do seu próprio mundo, onde ela possui uma outra mãe, um outro pai e outros vizinhos. Esse mundo seria a manifestação dos seus desejos.

Como nem tudo o que desejamos pode vir a ser algo bom, a jovem se depara com alguns problemas, pois essa outra mãe esconde alguns segredos e não parece ser tão boazinha como aparenta.

“— Que importância tem um nome? — perguntou a senhorita Forcible. — Aquilo a que chamamos rosa com qualquer outro nome teria o perfume igualmente doce”. p. 46

Escrita simples

Como Gaiman decidiu escrever para crianças, a escrita não é robusta, não é complicada. São capítulos bem curtos e sem rodeios. Isso é bom, porque dá ritmo à leitura, tudo flui muito bem e sem enrolações. Não é uma narrativa detalhista.

Adultos vão gostar muito desse livro, pois o lado sombrio causa estranheza e é bem estiloso. Há partes muito engraçadas, já que o livro é narrado em terceira pessoa, porém pelo olhar da protagonista, que é uma criança. Seu nome é pronunciado de maneira errada por algumas personagens, o que a irrita.

O gato aparece em certos momentos, sendo de grande importância para que Coraline consiga resolver seus problemas nesse outro mundo. Pode parecer que ele é um pouco arrogante, porém é assim que os gatos são, afinal. Suas aparições são sempre enigmáticas.

Não é um livro cheio de interpretações e enigmas nas entrelinhas. Nada disso. Cumpre seu papel de entreter muito bem, uma leitura que dá uma boa sensação ao ser finalizada. Temos um universo muito criativo imaginado por Neil Gaiman. Porém gera algumas reflexões no leitor, como a relação entre pais e filhos, por exemplo.

“— Vocês, pessoas, se esparramam por toda parte. Nós, gatos, nos mantemos íntegros, se é que me entende”. p. 39

Sobre a edição

Quanto a parte física do livro, é uma edição com capa comum, brochura, com orelhas. O papel utilizado para as páginas é algum do tipo Pólen, numa versão um pouco mais espessa. Boa diagramação, fonte de bom tamanho e linhas espaçadas.

Esse livro possui ilustrações de Dave McKean. A cada capítulo temos uma ilustração diferente, que possuem um estilo único, que combina com o clima sombrio da história. A tradução de Regina de Barros Carvalho ficou boa, utilizando termos apropriados, sem fazer uso de adaptações ou de termos muito locais.

“Coraline se perguntou por que, dentre os adultos que conhecera, tão poucos agiam com sentido”. p. 27

Conclusão

Algumas pessoas podem conhecer o livro pelo filme homônimo de 2009. É uma animação do mesmo diretor de ‘O estranho mundo de Jack’, Henry Selick. Quem conhece o trabalho desse diretor em animações, sabe como seu estilo é marcante.

Quem já conhece o filme, vai gostar muito de conhecer o livro também. Quem não conhece nenhum dos dois, é sempre melhor ler o livro primeiro.

Coraline é uma personagem que cativa o leitor. Ela cresce no decorrer da história, no sentido de aprender com seus erros. É uma menina muito inteligente e corajosa, que descobre que ter tudo, às vezes é não ter nada.

Uma leitura infantil, porém nem tanto assim, não se deixe enganar. A notícia de que se trata de um livro infantil pode desanimar, porém é uma obra mais adulta do que se pode imaginar. Uma história que irá entreter crianças e adultos.

P.S. Jamais confunda Coraline com Caroline. Ela não vai gostar nada disso.

“[…] — quando você tem medo e faz mesmo assim, isso é coragem”. p. 59

Minha nota (de 0 a 5): 4

Alan Martins

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As ilustrações não são nada infantis.

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Autor: Alan Martins

Graduado em Psicologia. Amante da Literatura, resenhista e poeta (quando bate a inspiração). Autor e criador do Blog Anatomia da Palavra. Não sou crítico literário, porém meu pensamento é extremamente crítico. Atualmente graduando em Letras.

14 pensamentos

  1. Também li Coraline este ano, e achei bem interessante comparar o estilo dele com os livros para adultos escritos por Gaiman. Gostei como ele manteve o sombrio das suas obras adultas, mas a ponto que uma criança ainda poderia o ler e se divertir.

    Boa resenha! 🙂

    Curtido por 1 pessoa

  2. Li tempo atrás Gaiman – Lugar nenhum – e confesso que não chamou minha atenção. Desconto: foi em um período muito complexo, meu pai havia partido, a doença do meu irmão então eu lia compulsivamente um livro após outro. Tenho dois dele na gaveta, Mitologia Nórdica e Deuses Americanos, mas ando preso em outro livro que não consigo terminar. Mas, o conteúdo da tua leitura me fez lembras alguns livros para o público infantil e o subtexto são de uma preciosidade crítica fantástica. Deixo apenas como exemplo As viagens de Guliver. Muito bom e reflexivo, Alan. Abraço.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Muito obrigado. Não li ‘As viagens de Guliver’ ainda, mas acho que eu deveria, é um clássico. ‘Lugar nenhum’ eu também não li, então não posso opinar. Mas ‘Mitologia nórdica’ eu recomendo, quando conseguir ler, pode ir sem medo. é um livro de leitura fácil para conhecer essa mitologia, não muito detalhista, mas justo naquilo a que se propõe. ‘Coraline’ eu achei bem legal, engraçado e rápido de ler. Dentre os livros infantis que já li, esse se destaca entre os melhores. Abraço, e obrigado pela visita.

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